A parte autora, ex-mulher de sócio de empresa com falência decretada, ajuizou demanda de anulação de hipoteca alegando que somente assinou o instrumento por influência de seu ex-marido, induzida a erro diante da promessa de resolução da situação financeira da empresa.
Em resumo, o então marido da parte autora obteve a assinatura dela para dar em hipoteca o imóvel do casal para garantia de contrato de financiamento para a empresa do qual era sócio e que veio a falir, gerando a execução da garantia.
A ação de anulação da hipoteca foi ajuizada no ano de 2003 perante o juízo federal diante da existência de entidade com foro privilegiado nos moldes do art. 109, I da CF/88.
Recebido o processo, houve a citação da ré e a determinação de inclusão do ex-marido da autora no pólo passivo da ação, bem como de seu sócio na empresa falida. Foram colhidos depoimentos de testemunhas arroladas pela requerente.
Agora, decidiu o juízo federal ser incompetente para o julgamento da ação, em virtude da existência de processo de falência e de se tratar de bem arrecadado pela Massa Falida da empresa e diante da “'vis atractiva' do juízo falimentar”.
Esse, então, é o ponto de discussão: competência para processamento da ação diante da existência de ação falimentar.
O art. 76 da Lei de Falências dispõe sobre o princípio da universalidade do juízo falimentar, pelo qual, em princípio, é o juiz da falência competente para conhecer toda ação em que haja discussão de bens, interesses e negócios do falido, ressalvando exceções:
“Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo.”
Em comentário ao citado artigo o Ilustre Fábio Ulhoa Coelho (Comentários à nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas – Lei n. 11.101, de 9-2-2005, editora Saraiva, 2005) que em muito contribuiu para o próprio texto legal, ensina que, em que pese a universalidade do juízo falimentar, 5 são as situações de exceção:
“a) ações não reguladas pela Lei de Falências em que a massa falida for autora ou litisconsorte ativa;
b) ações que demandam quantia ilíquida, independentemente da posição da massa falida na relação processual, também não são atraídas pelo juízo universal da falência, caso já estivessem em tramitação ao tempo da decretação desta *LF, art. 6º, § 1º);
c) reclamações trabalhistas, para as quais é competente a justiça do Trabalho, em razão de norma constitucional (CF, art. 114);
d) as execuções tributárias que, segundo o disposto no art. 187 do CTN, não se sujeitam a nenhum concurso de credores, nem à habilitação na falência;
e) ações de conhecimento de que é parte ou interessada a União, entidade autárquica ou empresa pública federal, hipótese em que a competência é da Justiça Federal (CF, art. 109, I);”
Nessa última exceção parece se enquadrar o caso em tela, visto que no pólo passivo está uma empresa pública federal.
Como se pode notar, o autor enquadra toda e qualquer ação de conhecimento em que haja participação de ente federal citado no inciso I do art. 109 da CF/88.
Inclusive o mestre Fabio Ulhoa cita um exemplo de acidente de carro envolvendo o automóvel de propriedade da sociedade ou empresário depois declarado falido e outro pertencente à Caixa Econômica Federal, caso em que a ação de conhecimento deverá ser proposta perante à Justiça Federal esteja a massa falida no pólo ativo ou passivo da ação.
Também aponta o autor que o art. 76 em comento guarda ampla equivalência com o disposto nos §§ 2º e 3º do art. 7º da Lei de Falências revogada.
Mas não só isso, Fábio Ulhoa aponta jurisprudência (RT, 780/324) entendendo que somente as ações reguladas pela Lei de Falências são atraídas pela universalidade do juízo falimentar, mantidas as regras processuais das demais ações.
Nesse sentido, veja-se voto proferido em acórdão do Egrégio TRF4:
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2004.70.00.035719-0/PR
VOTO
Em primeiro lugar, cumpre ressaltar que os honorários advocatícios ora executados são originários de ação ordinária de repetição de indébito, e não de embargos à execução fiscal, tal como, equivocadamente, considerado na decisão singular.
De qualquer modo, não merece prosperar a alegação da apelante no sentido de que o crédito exeqüendo deveria ser habilitado perante o Juízo Falimentar.
Conforme dispõe o art. 109, I, da Constituição Federal de 1988, "aos juízes federais compete processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho."
No caso em apreço, não se trata de ação falimentar propriamente dita, mas, sim, de execução de sentença promovida pelo INSS contra massa falida, razão pela qual impõe-se o reconhecimento da competência da Justiça Federal para o processamento do feito, nos termos do art. 109, I, da CRFB/88. Nesse sentido, colaciono o seguinte precedente desta Corte:
Não se tratando de causa de falência, assim, entendida aquela em que se pede a decretação da quebra ou é regulada na lei respectiva, a competência para a causa em que figure como autora, ré, assistente ou oponente a União, autarquia ou empresa pública federal é da Justiça Federal, ainda que movimentada contra massa falida.
(AG nº 97.04.10852-4/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Amir Sarti, DJU 21-01-1998)
Assim, qualquer controvérsia relativa ao valor a ser executado deve ser dirimida na Justiça Federal, inexistindo previsão legal para que o Juízo Falimentar decida a respeito da subsistência do crédito ou de eventual excesso na execução.
Vale ressaltar que, posteriormente, o crédito executado será submetido ao Juízo Falimentar para fins de pagamento, ocasião em que haverá a a centralização dos pagamentos e a observância da ordem de preferência, nos moldes da Lei de Falências.
De tal sorte, merece ser prestigiada a decisão singular.
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao apelo, nos termos da fundamentação supra.
Des. Federal Joel Ilan Paciornik
Relator
Também apontando a prevalência da regra constitucional, transcreve-se ementa de acordão proferido pelo Colendo STJ:
COMPETÊNCIA. CONFLITO. JUSTIÇA ESTADUAL E JUSTIÇA FEDERAL. EXECUÇÃO DE HONORÁRIOS. ADVOGADO DATIVO. CARÁTER ABSOLUTO (RATIONE PERSONAE) DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ART. 575-II, CPC. COMPETÊNCIA RELATIVA. PREVALÊNCIA DA REGRA COMPETENCIAL CONSTITUCIONAL SOBRE A REGRA INFRACONSTITUCIONAL. PREVALÊNCIA DO CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA ABSOLUTA SOBRE O CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA RELATIVA.
I - No confronto entre a competência do juiz que julgou a causa em primeiro grau, para a execução dos julgados que proferiu, e a competência ratione personae da Justiça Federal, fixada na Constituição, deve prevalecer esta última.
II - A competência da Justiça Federal é definida em sede constitucional em razão das pessoas que figuram na relação processual como autor, réu, assistente ou oponente, não logrando ser ampliada por qualquer razão.
III - Conforme afirmou esta Seção no CC 16.397-7-RJ, por mim relatado, com suporte principalmente na doutrina de Amílcar de Castro, somente na hipótese do inciso I a competência para a execução, prevista no art. 575, CPC, é absoluta.
(CC 17.897/SC, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25.11.1998, DJ 02.08.1999 p. 127)
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL ORIUNDO DA JUSTIÇA ESTADUAL. INTERVENÇÃO DA UNIÃO, NA QUALIDADE DE ASSISTENTE.
DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL.
1. A regra geral do art. 109, I, da Constituição Federal não distingue a natureza do processo para fins de deslocamento da competência, salvo as execuções dos processos falimentar, de acidentes do trabalho, eleitoral e trabalhista tout court 2. Deveras, em face do aparente conflito entre a competência funcional estabelecida pelo art. 575, II, do CPC, e a competência ratione personae do art. 109, I, da Constituição Federal, prevalece esta última, norma hierarquicamente superior, devendo a execução correr no Juízo Federal, não obstante o título judicial seja oriundo da Justiça Estadual. Precedente da Corte: CC 16.397/RJ, 2ª Seção, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 17/02/97.
3. Ademais, a Súmula 150 do E. STJ dispõe que "compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas." 4. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Amazonas, o suscitante.
(CC 41705/AM, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25.08.2004, DJ 04.10.2004 p. 199)
Parece, então, que, mesmo com uma visão mais estreita do alcance das exceções ao princípio da universalidade do juízo falimentar, não há como se afastar a competência absoluta da Justiça Federal, determinada pelo art. 109, I da CF/88, para processar e julgar as ações de conhecimento em que são parte a União, entidade autárquica ou empresa pública federal, ainda que esteja envolvido interesse da massa falida.
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3 comentários:
De início achei que não havia interesse para recorrer contra a decisão que determinou a remessa dos autos para o juízo da falência... mas agora me convenci de que prevalece a competência constitucionalmente fixada do juízo federal.
Acabei por não falar da jurisprudência citando a competência delegada exercida pelo juiz estadual.
Fica para a próxima!!!
Cara, acho que dava para expandir e fazer um post sobre o novo entendimento a respeito da possibilidade de penhora online mesmo sem comprovação do esgotamento das diligências do credor. As ementas mais recentes do STJ enfatizam que o entendimento consolidado, anteriormente a Lei n.º 11.382/06 era no sentido de que essa comprovação era indispensável. Mas já dá para perceber que a tônica vai ser mesmo no sentido dessa decisão do relator no AI, transcrito nos textos ao lado do blog.
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